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5 fake news gramaticais num só post

Maria Beltrão ontem em seu Instagram.
Maria Beltrão ontem em seu Instagram.

No afã de informar (ou, em alguns casos, defender) a linguagem correta, as pessoas se empolgam e acabam prestando mais desserviço do que serviço. Num vídeo de seu Instagram postado ontem (11/4), a jornalista Maria Beltrão (Rede Globo) conseguiu cagar 5 regras em 1 minuto e meio (um recorde) sobre palavras que a gente pronuncia errado. Não que ela tenha tirado as regras do rabo, e a intenção dela, tenho certeza, era a melhor possível; mas o risco que pessoas – leigas OU cultas – correm ao repassar lições gramaticais é de se precipitarem, não pesquisarem devidamente, não explicarem direito e acabar falando (muita) bobagem. Vamos analisar cada condenação gramatical feita no vídeo:

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1) NÃO É OB(Ê)SO, É OB(É)SO

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De fato, em português, a maioria dos gramáticos ensinava apenas a pronúncia aberta (é). No entanto, provavelmente por influência de outras palavras com e' tônico fechado (aceso, indefeso, peso, preso, surpreso etc.), consolidou-se também a pronúncia com e' fechado, fato reconhecido hoje por vários gramáticos (Luft, Cegalla, Sacconi etc.). Daí a vacilação na pronúncia entre o timbre aberto (é) e o fechado (é), ambos registrados em dicionários (Houaiss, 2009; Silveira Bueno, 2017) e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp, 2009), que reconhecem a dupla pronúncia da palavra. Nosso gramático mais latinista, Napoleão Mendes de Almeida, ensina como única pronúncia correta aquela que é a de fato mais usual: Obeso (ê) (2001). Celso Luft está com ele: "O que se ouve no Brasil é ob(ê)so, com e fechado (2010). Conclusão: tanto faz, mas ob(ê)so tem a preferência nacional.

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2) NÃO É BAD(Ê)JO, É BAD(É)JO

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A palavra veio do castelhano abadejo, com 'e' de timbre fechado (ê). Alguns gramáticos, baseados talvez em algum uso antigo, recomendam apenas a pronúncia aberta (é); mas, de forma análoga à que ocorreu com "obeso, "badejo pode ter sofrido influência de vocábulos terminados em -ejo, de timbre fechado (desejo, molejo, bocejo, baculejo, bacorejo, cortejo, cotejo, despejo, ensejo, festejo, gracejo, lampejo, varejo, vilarejo); por isso, dicionários antigos (Silveira Bueno, 1955) registravam exclusivamente essa pronúncia fechada, e hoje em dia os demais dicionários e o Volp mostram que a pronúncia pode tanto ser aberta (é) quanto fechada (ê) (Houaiss, 2001; ABL, 2008; Aurélio, 2010). Ou seja, tanto faz.


"Badêjo ou Badéjo", canção do disco "Na Cadência do Samba" (2005), do grupo Arranco de Varsóvia

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3) NÃO É IL(Ê)SO, É IL(É)SO

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Em virtude do -æ- do latim illæsu, o timbre original da palavra em português era aberto (é). O uso, no entanto, se inclinou para o timbre fechado (ê), e assim foi registrado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em 1943 e ensinado pelo gramático Rocha Lima (1958). Hoje em dia, dicionários diversos e o Volp mostram que a pronúncia pode ser aberta (é) OU fechada (ê) (Houaiss, 2001; ABL, 2008; Aurélio, 2010; Silveira Bueno, 2017), fato endossado pelos gramáticos Celso Luft (2010) e Evanildo Bechara (2022). Ou seja, mais uma vez, tanto faz...

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4) NÃO É OBSOL(Ê)TO, É OBSOL(É)TO

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A pronúncia com o "e" fechado (ê) de fato contraria aquela das demais palavras terminadas em -leto, como completo, dileto, predileto, repleto, seleto, secreto etc., o que leva gramáticos como Cegalla, Bechara e Rocha Lima a recomendarem apenas a pronúncia aberta, obsol(é)to. Todavia, como bem observa o professor Pasquale (2009), o timbre considerado correto não pegou’”, tanto que os dicionários e Volp (Houaiss, 2001; Aurélio, 2010; ABL, 2009) registram a dupla pronúncia: obsol(é)to OU obsol(ê)to. E, cá entre nós, quem diabos pronuncia obsol(é)to hoje em dia? Talvez as gerações mais antigas ou gente de fala muito monitorada. Napoleão ensina em sua gramática: O e tônico, de acordo com a pronúncia nossa, tem som fechado: ob-so-LÊ-to (2001); Celso Luft reconhece: De uso, só conheço com e fechado, obsolêto (2010). Ou seja, mais uma vez, tanto faz, mas a preferência brasileira é obsol(ê)to.

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5) NÃO É CO(Ê)SO, É CO(É)SO

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Fiéis à etimologia dessa palavra (latim cohaesu), Bechara e Cegalla recomendam só o timbre aberto (é). A pronúncia generalizada, no entanto, é co(ê)so e se deve àquela mesma influência fonética sofrida por obeso e ileso de outros vocábulos terminados em -eso: aceso, peso, preso etc., tanto que vários dicionaristas (Nascentes, 1967; Pasquale, 2010; Silveira Bueno, 2017) registram apenas essa pronúncia fechada, co(ê)so; já os demais dicionários (ABL, 2008; Houaiss, 2009; Aulete, 2008) e o Volp (2009) registram a dupla pronúncia (é ou ê). Hoje a pronúncia usual é com timbre fechado, diz o gramático Celso Luft (2010). Ou seja, nesse caso também tanto faz, mas no Brasil co(ê)so dá de 10 a 0 em co(é)so.


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