5 fake news gramaticais num só post
- Evandro Debochara
- há 6 dias
- 4 min de leitura

No afã de informar (ou, em alguns casos, “defender”) a linguagem correta, as pessoas se empolgam e acabam prestando mais desserviço do que serviço. Num vídeo de seu Instagram postado ontem (11/4), a jornalista Maria Beltrão (Rede Globo) conseguiu cagar 5 regras em 1 minuto e meio (um recorde) sobre “palavras que a gente pronuncia errado”. Não que ela tenha tirado as regras do rabo, e a intenção dela, tenho certeza, era a melhor possível; mas o risco que pessoas – leigas OU cultas – correm ao repassar lições gramaticais é de se precipitarem, não pesquisarem devidamente, não explicarem direito e acabar falando (muita) bobagem. Vamos analisar cada condenação gramatical feita no vídeo:
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1) “NÃO É OB(Ê)SO, É OB(É)SO”
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De fato, em português, a maioria dos gramáticos ensinava apenas a pronúncia aberta (é). No entanto, provavelmente por influência de outras palavras com ‘e' tônico fechado (aceso, indefeso, peso, preso, surpreso etc.), consolidou-se também a pronúncia com ‘e' fechado, fato reconhecido hoje por vários gramáticos (Luft, Cegalla, Sacconi etc.). Daí a vacilação na pronúncia entre o timbre aberto (é) e o fechado (é), ambos registrados em dicionários (Houaiss, 2009; Silveira Bueno, 2017) e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp, 2009), que reconhecem a dupla pronúncia da palavra. Nosso gramático mais latinista, Napoleão Mendes de Almeida, ensina como única pronúncia correta aquela que é a de fato mais usual: “Obeso (ê)” (2001). Celso Luft está com ele: “"O que se ouve no Brasil é ob(ê)so, com ‘e’ fechado” (2010). Conclusão: tanto faz, mas ‘ob(ê)so’ tem a preferência nacional.
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2) “NÃO É BAD(Ê)JO, É BAD(É)JO”
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A palavra veio do castelhano abadejo, com 'e' de timbre fechado (ê). Alguns gramáticos, baseados talvez em algum uso antigo, recomendam apenas a pronúncia aberta (é); mas, de forma análoga à que ocorreu com "obeso”, "badejo” pode ter sofrido influência de vocábulos terminados em -ejo, de timbre fechado (desejo, molejo, bocejo, baculejo, bacorejo, cortejo, cotejo, despejo, ensejo, festejo, gracejo, lampejo, varejo, vilarejo); por isso, dicionários antigos (Silveira Bueno, 1955) registravam exclusivamente essa pronúncia fechada, e hoje em dia os demais dicionários e o Volp mostram que a pronúncia pode tanto ser aberta (é) quanto fechada (ê) (Houaiss, 2001; ABL, 2008; Aurélio, 2010). Ou seja, tanto faz.
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3) “NÃO É IL(Ê)SO, É IL(É)SO”
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Em virtude do -æ- do latim illæsu, o timbre original da palavra em português era aberto (é). O uso, no entanto, se inclinou para o timbre fechado (ê), e assim foi registrado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em 1943 e ensinado pelo gramático Rocha Lima (1958). Hoje em dia, dicionários diversos e o Volp mostram que a pronúncia pode ser aberta (é) OU fechada (ê) (Houaiss, 2001; ABL, 2008; Aurélio, 2010; Silveira Bueno, 2017), fato endossado pelos gramáticos Celso Luft (2010) e Evanildo Bechara (2022). Ou seja, mais uma vez, tanto faz...
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4) “NÃO É OBSOL(Ê)TO, É OBSOL(É)TO”
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A pronúncia com o "e" fechado (ê) de fato contraria aquela das demais palavras terminadas em -leto, como completo, dileto, predileto, repleto, seleto, secreto etc., o que leva gramáticos como Cegalla, Bechara e Rocha Lima a recomendarem apenas a pronúncia aberta, obsol(é)to. Todavia, como bem observa o professor Pasquale (2009), “o timbre considerado correto não ‘pegou’”, tanto que os dicionários e Volp (Houaiss, 2001; Aurélio, 2010; ABL, 2009) registram a dupla pronúncia: obsol(é)to OU obsol(ê)to. E, cá entre nós, quem diabos pronuncia “obsol(é)to” hoje em dia? Talvez as gerações mais antigas ou gente de fala muito monitorada. Napoleão ensina em sua gramática: “O ‘e’ tônico, de acordo com a pronúncia nossa, tem som fechado: ob-so-LÊ-to” (2001); Celso Luft reconhece: “De uso, só conheço com ‘e’ fechado, obsolêto” (2010). Ou seja, mais uma vez, tanto faz, mas a preferência brasileira é obsol(ê)to.
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5) “NÃO É CO(Ê)SO, É CO(É)SO”
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Fiéis à etimologia dessa palavra (latim cohaesu), Bechara e Cegalla recomendam só o timbre aberto (é). A pronúncia generalizada, no entanto, é “co(ê)so” e se deve àquela mesma influência fonética sofrida por “obeso” e “ileso” de outros vocábulos terminados em -eso: aceso, peso, preso etc., tanto que vários dicionaristas (Nascentes, 1967; Pasquale, 2010; Silveira Bueno, 2017) registram apenas essa pronúncia fechada, co(ê)so; já os demais dicionários (ABL, 2008; Houaiss, 2009; Aulete, 2008) e o Volp (2009) registram a dupla pronúncia (é ou ê). “Hoje a pronúncia usual é com timbre fechado”, diz o gramático Celso Luft (2010). Ou seja, nesse caso também tanto faz, mas no Brasil co(ê)so dá de 10 a 0 em co(é)so.
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