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Liter-hilários (I): “A Tua Carta”, Gonçalves Crespo (1870)

Foto do escritor: Evandro DebocharaEvandro Debochara

Crespo na capa da revista 'Occidente', 21 jun. 1883.

O poeta António Cândido Gonçalves Crespo (1846-1883) foi não só o pioneiro do Parnasianismo em Portugal como também o maior parnasiano do país – o que não era difícil, já que o movimento quase não existiu por lá. Filho de portugueses, nasceu no Brasil e foi mandado para Portugal aos 14 anos. Segundo o crítico literário Rolando Morel Pinto, Crespo “soube, como poucos poetas de sua geração, temperar as emoções pessoais com a beleza exterior, fugindo, mesmo nas poesias de cunho mais subjetivo, às ‘banalidades pretensamente íntimas do lirismo romântico’, mas ferindo com toque de mestre a tecla humana, às vezes ligeiramente dramática, outras compreensivamente humorística”. Este último aspecto mencionado pode ser conferido no poema abaixo, publicado pela primeira vez em 1870:


A TUA CARTA


Tem as lettras desmaiadas

A carta que me escreveste,

Talvez do calor do seio,

Onde escondida a trouxeste


O perfume que ella exhala

Entonteceu-me a cabeça

Lembraram-me os doces beijos

Da tua bocca, travessa.

Eu não dera a tua carta

Por cousas de alta valia;

São mais lindos que as estrellas

Teus erros de orthographia!


Por isso tracto essa carta

Com mais cuidado e mais zelo

Que o louro annel que me deste

Das tranças do teu cabello.


Por isso a leio e releio

Toda a noite em voz magoada,

E o papel estou beijando

Quando rompe a madrugada.

Cinco lettras d'essa carta

Valem mais que a luz do dia:

São aquellas cinco lettras

Do teu nome de Maria...


Sempre que vejo essas lettras,

Cuido ver o teu sorriso;

Oh lettras! Vois sois as chaves

Das portas do paraiso!

Oh filha! quando medito

Nas roas do meu passado,

Parece-me a tua carta

Um lindo altar enfeitado.


E penso... vê lá por onde

A phantasia me voa!

Que tens a mão sobre a minha,

Que um padre nos abençoa.

Eu não dera a tua carta

Por cousas de alta valia,

Ainda que mais não tivesse

Que o teu nome de Maria!

(CRESPO, Gonçalves. Obras Completas. Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão Editores, 1897. p. 124-125.)

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