
O poeta António Cândido Gonçalves Crespo (1846-1883) foi não só o pioneiro do Parnasianismo em Portugal como também o maior parnasiano do país – o que não era difícil, já que o movimento quase não existiu por lá. Filho de portugueses, nasceu no Brasil e foi mandado para Portugal aos 14 anos. Segundo o crítico literário Rolando Morel Pinto, Crespo “soube, como poucos poetas de sua geração, temperar as emoções pessoais com a beleza exterior, fugindo, mesmo nas poesias de cunho mais subjetivo, às ‘banalidades pretensamente íntimas do lirismo romântico’, mas ferindo com toque de mestre a tecla humana, às vezes ligeiramente dramática, outras compreensivamente humorística”. Este último aspecto mencionado pode ser conferido no poema abaixo, publicado pela primeira vez em 1870:
A TUA CARTA
Tem as lettras desmaiadas
A carta que me escreveste,
Talvez do calor do seio,
Onde escondida a trouxeste
O perfume que ella exhala
Entonteceu-me a cabeça
Lembraram-me os doces beijos
Da tua bocca, travessa.
Eu não dera a tua carta
Por cousas de alta valia;
São mais lindos que as estrellas
Teus erros de orthographia!
Por isso tracto essa carta
Com mais cuidado e mais zelo
Que o louro annel que me deste
Das tranças do teu cabello.
Por isso a leio e releio
Toda a noite em voz magoada,
E o papel estou beijando
Quando rompe a madrugada.
Cinco lettras d'essa carta
Valem mais que a luz do dia:
São aquellas cinco lettras
Do teu nome de Maria...
Sempre que vejo essas lettras,
Cuido ver o teu sorriso;
Oh lettras! Vois sois as chaves
Das portas do paraiso!
Oh filha! quando medito
Nas roas do meu passado,
Parece-me a tua carta
Um lindo altar enfeitado.
E penso... vê lá por onde
A phantasia me voa!
Que tens a mão sobre a minha,
Que um padre nos abençoa.
Eu não dera a tua carta
Por cousas de alta valia,
Ainda que mais não tivesse
Que o teu nome de Maria!
(CRESPO, Gonçalves. Obras Completas. Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão Editores, 1897. p. 124-125.)
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