
Contou-me Napoleão Mendes de Almeida que, por ordem expressa de Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, não se usava no jornal o substantivo fracasso – italianismo que, segundo o chefe, devia ser substituído por sinônimos de etimologia portuguesa, como malogro. Napoleão mantinha, no jornal dos Mesquitas, a coluna “Questões vernáculas”, em que respondia a perguntas dos leitores. Um deles, mais atento, indagou por que, n'O Estado, não se lia o termo fracasso, de uso tão frequente. O professor escreveu a resposta:
"Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como fracasso. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico fracasso quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?"
Ao receber os originais da coluna, o obediente revisor não teve dúvidas: onde havia fracasso, punha uma emenda para que se lesse malogro... A coluna virou, assim, um verdadeiro samba do crioulo doido:
"Sempre que possível, convém escoimar o texto de estrangeirismos como malogro. Dispomos, em português, do correspondente malogro, que equivale à perfeição ao italianismo a que se refere o prezado leitor. Agora perguntamos: se temos, em nosso idioma, palavras de tão legítima formação, como malogro, por que dar preferência ao exótico malogro quando podemos, em muito melhor português, substituí-lo pelo vernáculo malogro?"
O professor Napoleão quase morre de infarto: passou uma semana de cama, a pensar no sentimento que mais o consumia — se o desejo de estrangular o revisor ou a vergonha que sentia dos leitores...
(CAMINHA, Edmílson. Lutar com palavras: diário do autor escrito no período de agosto de 1998 a dezembro de 2000. Brasília: Thesaurus, 2001, p. 147-148)
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