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“O foguete que se exploda”: que lição podemos tirar da explosão de Musk?

Foto do escritor: Evandro DebocharaEvandro Debochara

Starship explode depois do lançamento na manhã do dia 20 de abril (Foto: Jonathan Newton)

A explosão da nave Starship deu o que falar. Fãs do bilionário alegam que isso não foi nenhum fracasso, pois o lançamento seria apenas um teste, e a explosão um risco calculado; já seus detratores não perderam a oportunidade de se divertir com o episódio. Mas ambos os lados ignoram a mais importante lição a ser tirada dessa explosão: a falsa defectividade do verbo explodir, defendida só por quem já morreu – literalmente ou não.


“Explodir” ainda é tratado pelos gramáticos (Napoleão, Cegalla, Luft, Sacconi etc.) como defectivo, isto é, um verbo que não apresenta todas as formas do paradigma a que pertence (como abolir, adequar, banir, demolir, doer, falir, reaver, colorir, ruir, exaurir, extorquir etc). Alguns deles sugerem como alternativa recorrer ou a um verbo sinônimo ou ao auxílio de uma perífrase (estou explodindo, sei explodir, não vou explodir, não podes explodir); outros dão como alternativa o verbo “estourar”. Todos eles até reconhecem o uso de “explodo”, “expludo”, “exploda”, “expluda” etc. por escritores modernos, mas praticamente nenhum deles dá o braço a torcer para aceitar essas formas como corretas.


Para concurseiros, paga-paus de gramáticos e gente submissa à tradição, as lições desses autores bastam para bater o martelo sobre a defectividade desse verbo. Mas “há mais variantes na língua culta do que sonha a tua gramática”, já dizia Shakespeare. Nem todo mundo que quer explodir algo – como o Musk – quer necessariamente estourar ou usar outros verbos; por mais sinônimos que sejam, certos verbos não têm a mesma carga semântica ou expressiva dos outros. É mais prático e natural “explodir” nas pessoas e nos tempos ainda dados injustamente como incorretos, e é isso o que acaba sendo feito por todo mundo (exceto gente temente à ira do deus da Gramática, que não existe).


Em seu Breviário da Conjugação de Verbos, Otelo Reis observa que “foi o USO que não consagrou certas formas, as quais, nunca tendo sido vistas ou ouvidas, são espontaneamente evitadas pelos que procuram falar corretamente. Em outros, é a eufonia que faz omitir algumas desagradáveis ao ouvido, ou geradoras de equívocos. Em outros, ainda, a defectibilidade resulta de ser impossível conceber-se, aplicada a certas pessoas, ou em certos tempos, a ideia expressa pelo verbo” (1971, p. 13-14). Concordamos. Mas por que diabos a defectividade deveria ficar atrelada à mentalidade dos usos e gostos do passado? Por causa da eufonia? “A eufonia é um critério muito subjetivo. O que é desagradável a uma pessoa ou a um momento da história da língua pode não ser para outra pessoa ou para outra época”, diz Bechara (2021). Se, no passado, “foi o uso que não consagrou certas formas”, é o uso que continua, ainda hoje, a consagrar ou não certas formas, e que continuará a fazê-lo indefinidamente. “Os verbos defectivos sempre o são apenas temporariamente, isto é, até as formas consideradas ‘inexistentes’ passarem a ser usadas pelas novas gerações de falantes”, diz o professor e linguista Cláudio Moreno (2004. p. 233).


Não é à toa que Bechara (2009) constata: “Muitos verbos apontados outrora como defectivos são hoje conjugados integralmente: agir, advir, compelir, desmedir-se, discernir, emergir, EXPLODIR, imergir, fruir, polir, submergir, entre outros”. Isso porque, conforme bem observou o filólogo Mário Barreto, “a morfologia não tem leis especiais para excluir de sua formação total nenhum dos verbos que se têm por defectivos. Nenhuma lei de estrutura se opõe a que se forme ‘abole’, ‘colorem’, ‘pule’, ‘bane’, ‘demulo’. Empregá-los numa forma e deixar de empregá-los noutra é coisa que toca ao uso (BARRETO apud JUCÁ FILHO, 1981, p. 108-109).


Resistir é inútil. Outrora mais conservador, Pasquale Cipro Neto já cedeu: “Se quiser levar em conta o fato de que ele ['explodir'] tem sido usado como verbo de conjugação completa, flexione-o em todos os tempos, modos e pessoas” (2009, p. 262); sua colega, a conservadora consultora linguística Dad Squarisi, também já jogou a toalha: “Modernamente, o verbo ganhou a 1ª pessoa do presente do indicativo e tornou-se regular” (2015, p. 163). Aurélio e Houaiss, em suas versões eletrônicas, conjugam “explodir” em todas as pessoas e em todos os tempos.

Mais prático e objetivo ainda sobre a questão foi o filólogo português Rodrigo de Sá Nogueira, que há várias décadas, em seu Dicionário de Verbos Portugueses Conjugados, já dizia o seguinte sobre a defectividade de “explodir” e outros verbos em condição análoga: “Reputo este critério injustificável e, portanto, insubsistente. Por isso, dou a conjugação completa” (1978, p. 174). Pronto. É o que todo gramático contemporâneo deveria ter dignidade de fazer.


Portanto, a lição deixada por Musk é: exploda os foguetes, exploda a defectividade de “explodir”. E os gramáticos que se explodam.

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