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Sabichossexualidade: a atração sexual por sabichões

Foto do escritor: Evandro DebocharaEvandro Debochara

“Sabichossexualidade” é um termo criado em 2019 pela psicóloga franco-belga Chantal Bachelet-Fondue para descrever a atração sexual por gente pedante e preciosista, que defende tradições gramaticais ultrapassadas, inventa regras ou abusa de palavras em desuso. Sabichossexuais são facilmente seduzidos por sabichões, que despertam admiração com gramatiquices e condenações rigorosas ou mesmo sem base alguma.


Uma visão antiga dessa atração – dos tempos de Ruy Barbosa – entendia que sabichossexuais experimentavam desejo tão somente pela mera ostentação mesoclítica e vocabular. Hoje se sabe que esse espectro de atração é muito mais amplo, incluindo o tesão por cagações de regra, ênclises forçadas, correções públicas na fala alheia, estilo artificial, negacionismo linguístico, exigências de rigor lógico em expressões idiomáticas, rebuscamentos sem noção e todo tipo de afetação.


De acordo com Bachelet-Fondue, atrações provocadas por essas práticas podem ser tão eróticas quanto qualquer outra atração física comum. Ela observa que, para sabichossexuais, qualquer conversa com sabichões acaba se tornando um jogo sexual. “Nada me dá mais tesão que ter meu ouvido penetrado por todo aquele enorme vocabulário estranho e desconhecido. Ser corrigido durante a conversa, então, é o orgasmo”, disse um sabichossexual anônimo, revelando o caráter masoquista desse tipo de relação.


Para a psicóloga, o Brasil é o país sabichossexual por excelência. “Brasileiro não pode ver uma cagação de regra que já se entrega de corpo, alma e cérebro ao seu autor”, diz. “Um exemplo corriqueiro: alguém publica nas redes, baseado numa lição que tirou do seu reto ou que já era caduca 100 anos atrás, que determinada palavra não existe, que uma expressão usual não é bom português ou que certa regência consagrada é um erro crasso. Ninguém, absolutamente ninguém questiona, consulta nem se certifica disso, acreditando, endossando e disseminando a invencionice do sabichão, que leva numerosos likes e é eleito autoridade no assunto. O sabichossexual pode até se deleitar com uma correção ou um uso culto legítimos, mas também sente prazer com qualquer falsa lição ou erudição”.



É por isso que, segundo a autora, sabichossexuais se tornam presas fáceis de quem faz usos supostamente cultos (mas que não passam de erros típicos de gente pedante). Um bom exemplo disso é o ex-presidente Michel Temer (cujos latinismos e mesóclises deixam sabichossexuais em frenesi). No decorrer de sua carreira política, ele se especializou no uso de “cujo o”, “cujos os”, “cuja a”, “cujas as”, tornando-se péssima influência para milhões de sabichossexuais, que passaram a reproduzir esse vício de linguagem como se fosse a mais elegante e correta expressão da última flor do Lácio.


No Brasil, a sabichossexualidade não se restringe ao vernáculo, uma vez que encontra também na língua-mãe do Português muitos prazeres proporcionados pela ostentação de (falsa) erudição. Já dizia o cronista Stanislaw Ponte Preta que “você pode dizer a maior besteira, mas, se for dita em Latim, muitos concordarão”, e os sabichossexuais não resistem a latinismos citados aqui e ali por quem não consegue se expressar além de provérbios achados na internet. É o caso de um ex-juiz de Curitiba, sem nenhuma fluência em Latim, que, em certa ocasião, ostentou nas redes sociais uma citação errada do poeta romano Horácio, recebendo milhares de likes de um público fascinado com o latinório.


Relacionamentos sabichossexuais estão, no entanto, fadados a desgastes e costumam não durar muito. “Tem uma hora que não dá mais. Às vezes só queria dizer te amo, te adoro, mas ela exigia ênclise forçada até na fala. Foi brochante”, queixou-se um ex-sabichossexual. “A gota d'água foi quando ele interrompeu uma conversa durante almoço em família só pra dizer que eu não podia usar artigo diante de minha mãe e meu pai. Abandonei ele antes que pudesse entender que diabos significava mugre do olvido e atavios de ouropel”, disse uma ex-sabichossexual, que hoje em dia se diz apenas sapiossexual.

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