
TEXTO 1
"Posso ter jeito de bobo, posso babar na gravata, mas respeite minha inteligência. [...] 'Ah, eu sou iluminado!' Talvez faça a viagem para o céu. Comece uma viagem espacial. 'Minha função é iluminar'. Quem sabe tenhamos alguém faltando no planeta solar? [...] Nós temos grande responsabilidade institucional. É da Constituição que se cuida. 'Ah, mas isso ficou melhor'. Não ficou melhor; o sistema ficou pior. Tem que haver transparência, claro que continua a haver graves problemas. E é claro que naquela decisão nós fomos embaídos. [...] ‘Ah, agora, eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros, e aí a gente faz um dois a um'.”
(MENDES, Gilmar Ferreira. Pronunciamento no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5394. Sessão do Supremo Tribunal Federal de 21 mar. 2018)
TEXTO 2
"Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. [...] É um absurdo Vossa Excelência aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento, [...]. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas, não tem nenhuma ideia, não tem nenhuma ideia, nenhuma, nenhuma só ofende as pessoas, ofende as pessoas. Qual é a sua ideia? Qual é a sua proposta? Nenhuma. Nenhuma. É bílis, é ódio, mau sentimento, mal secreto. É uma coisa horrível. Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o Tribunal, uma desonra para todos nós. [...] É muito ruim, é muito penoso para todos nós termos que conviver com Vossa Excelência, que não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de um interesse que não é o da Justiça."
(BARROSO, Luís Roberto. Pronunciamento no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5394. Sessão do Supremo Tribunal Federal de 21 mar. 2018)
Com base na leitura dos textos acima e em seu próprio conhecimento acerca das tretas e mutretas jurídicas, julgue os itens a seguir:
a) Em "[...] está sempre atrás de um interesse que não é o da Justiça" (Texto 2), o autor emprega uma figura de sintaxe chamada elipse, que omite termos facilmente subtendidos pelo contexto, da mesma forma que Gilmar omite interesses facilmente subententidos pelo discurso.
b) "Babar na gravata" (Texto 1), expressão cunhada e popularizada pelo escritor Nelson Rodrigues, pode ter tanto o sentido de admirar-se muito, ficar boquiaberto quanto o de mostrar-se idiota. O autor a emprega com esse segundo sentido, e sabemos que, de idiota, ele não tem nada.
c) Em "bílis" (Texto 2), que no texto tem o sentido de mau gênio, mau humor, irritabilidade (e não o sentido literal, isto é, substância produzida pelo fígado associada a humores humanos), o ministro faz uso duma figura de retórica chamada metonímia. Já Gilmar faz uso da ignomínia.
d) Embora a expressão "planeta solar" (Texto 1) possa fazer sentido para se referir a qualquer planeta de algum sistema solar, pode-se afirmar que, com ela, o autor faz menção ao Sol.
e) Em "mau sentimento, mal secreto" (Texto 2), o autor emprega duas palavras homônimas homófonas (diversas no sentido e na grafia, mas pronunciáveis de forma idêntica): "mau" (adjetivo), que é antônimo de "bom"; e "mal" (substantivo com o sentido de moléstia, doença, enfermidade física/moral no contexto citado, mas advérbio em outros casos), que é antônimo de "bem". Com isso, fica subentendido que Gilmar pode ser usado no lugar tanto de "mau" quanto de "mal" como antônimo de tudo o que já houve de bom e de bem na Justiça brasileira.
f) Em "Ah, eu sou iluminado!" e "Minha função é iluminar" (Texto 1), o autor emprega uma figura de estilo chamada sarcasmo para ironizar e alfinetar o autor do Texto 2, que em artigo recente defendeu a função "iluminista" do STF.
g) "Vossa Excelência" (Texto 2) é pronome de tratamento dirigido a ministros, presidentes, militares de alta patente, juízes, bispos e a toda sorte de canalhas de farda, toga ou batina que não fazem por merecer o tratamento que recebem.
h) O Texto 2 pode ser classificado como prosa poética, já que se deixa permear por soluções poéticas, admitindo a invasão do eu lírico como ator e espetáculo numa atmosfera em que prevalece a formalidade jurídica: acusações, queixas, desabafos, ofensas, tudo o que compõe o pronunciamento obedece a uma visão poética, de forma a dar impressão de que o mundo é reduzido a um ponto de vista lírico, equivalente ao eu do jurista.
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