
Uma explosão conjugada em primeira pessoa diante do Supremo Tribunal Federal (STF) ontem (13) trouxe mais uma vez à tona a controvérsia em torno do direito de (se) explodir. Trata-se de ato condenável não só moralmente como também gramaticalmente segundo vários autores (Napoleão, Cegalla, Luft, Sacconi etc.), que tratam o verbo como defectivo, isto é, que não apresenta todas as formas do paradigma a que pertence (como abolir, adequar, banir, demolir, doer, falir, reaver, colorir, ruir, exaurir, extorquir etc). Alguns deles sugerem como alternativa recorrer ou a um sinônimo ou ao auxílio de uma perífrase (estou explodindo, sei explodir, não vou explodir, não podes explodir); outros dão como alternativa estourar. Todos eles até reconhecem o uso de explodo, expludo, exploda, expluda etc. por escritores modernos, mas praticamente nenhum deles dá o braço a torcer para declarar essas formas como corretas.
Para concurseiros, paga-paus de gramáticos e gente submissa à tradição, as lições desses autores bastam para bater o martelo sobre a defectividade desse verbo. Mas “há mais variantes na língua culta do que sonha a tua gramática”, já dizia Shakespeare. Nem todo mundo que explode – como o candidato a vereador do PL ontem na Praça dos Três Poderes – quer necessariamente estourar ou usar outros verbos; por mais sinônimos que sejam, certos verbos não têm a mesma carga semântica, expressiva ou explosiva dos outros. É mais prático e natural explodir em pessoas e tempos ainda tratados injustamente como incorretos, e é isso o que acaba sendo feito por todo mundo (exceto gente temente à ira do deus da Gramática, que não existe).
Em seu Breviário da Conjugação de Verbos, Otelo Reis observa que “foi o uso que não consagrou certas formas, as quais, nunca tendo sido vistas ou ouvidas, são espontaneamente evitadas pelos que procuram falar corretamente. Em outros, é a eufonia que faz omitir algumas desagradáveis ao ouvido, ou geradoras de equívocos. Em outros, ainda, a defectibilidade resulta de ser impossível conceber-se, aplicada a certas pessoas, ou em certos tempos, a ideia expressa pelo verbo” (1971, p. 13-14). Concordamos. Mas por que diabos a defectividade deveria ficar atrelada à mentalidade de usos e gostos do passado? Por motivos de eufonia? “A eufonia é um critério muito subjetivo. O que é desagradável a uma pessoa ou a um momento da história da língua pode não ser para outra pessoa ou para outra época”, diz Bechara (2021). Se, no passado, “foi o uso que não consagrou certas formas”, é o uso que continua, ainda hoje, a consagrar ou não certas formas, e que continuará a fazê-lo indefinidamente. “Os verbos defectivos sempre o são apenas temporariamente, isto é, até as formas consideradas ‘inexistentes’ passarem a ser usadas pelas novas gerações de falantes”, diz o professor e linguista Cláudio Moreno (2004, p. 233).
Não é à toa que Bechara (2009) constata: “Muitos verbos apontados outrora como defectivos são hoje conjugados integralmente: agir, advir, compelir, desmedir-se, discernir, emergir, EXPLODIR, imergir, fruir, polir, submergir, entre outros"; isso porque, conforme bem observou o filólogo Mário Barreto, “a morfologia não tem leis especiais para excluir de sua formação total nenhum dos verbos que se têm por defectivos. Nenhuma lei de estrutura se opõe a que se forme ‘abole’, ‘colorem’, ‘pule’, ‘bane’, ‘demulo’. Empregá-los numa forma e deixar de empregá-los noutra é coisa que toca ao uso” (BARRETO apud JUCÁ FILHO, 1981, p. 108-109).
Resistir ao explodir alheio é inútil. Outrora mais conservador, Pasquale Cipro Neto já cedeu: “Se quiser levar em conta o fato de que ‘explodir’ tem sido usado como verbo de conjugação completa, flexione-o em todos os tempos, modos e pessoas” (2009, p. 262); sua colega, a conservadora consultora linguística Dad Squarisi, também já jogou a toalha: “Modernamente, o verbo ganhou a 1ª pessoa do presente do indicativo e tornou-se regular” (2015, p. 163). Aurélio e Houaiss, em suas versões eletrônicas, explodem em todas as pessoas e em todos os tempos.
Mais prático e objetivo ainda sobre a questão foi o filólogo português Rodrigo de Sá Nogueira, que há várias décadas, em seu Dicionário de Verbos Portugueses Conjugados, já dizia o seguinte sobre a defectividade de explodir e outros verbos em condição análoga: “Reputo este critério injustificável e, portanto, insubsistente. Por isso, dou a conjugação completa” (1978, p. 174). Pronto. É o que todo gramático contemporâneo deveria ter a dignidade de ensinar: que se exploda quem quiser, e ninguém tem nada com isso – pelo menos não gramaticalmente.
A lição deixada pelo homem-bomba, portanto, é: exploda(-se) e exploda a defectividade de explodir. “Explodo”, diz Drummond; “expludo”, dizem Mia Couto e Leminski. E os gramáticos que se explodam.
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