
RIO DE JANEIRO (Reuters) – Em meio a pesquisas que vinha realizando para sua tese de doutorado, a historiadora literária Mara Cristina Vergueiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita ter confirmado recentemente a existência daquilo que escritores e pesquisadores de diversas épocas vinham suspeitando: um romance inédito de Machado de Assis (1839-1908).
A descoberta foi realizada durante consulta ao acervo do Real Gabinete Português de Leitura, gigantesca biblioteca do Rio de Janeiro fundada no século XIX, e se mostrou ainda mais intrigante quando a pesquisadora constatou o nome do romance: Georgiana, ninguém mais, ninguém menos que a esposa do escritor José de Alencar (1829-1877).
O fato é que, embora já fossem de conhecimento público alguns relatos que insinuavam a existência desse romance, como os de Humberto de Campos (1886-1934), publicados em seu polêmico Diário Secreto – obra póstuma com inconfidências e impressões pessoais do autor sobre celebridades literárias diversas –, até então tudo sobre a suposta prosa de Machado com Georgiana não passava de objeto de especulações e mexericos. Guimarães Rosa, em correspondência trocada com um de seus tradutores, manifestava uma opinião muito cética a respeito dessas especulações: “Essa prosa com Georgiana soa como romance realista, mas é só ficção barata. Quer ser história, mas é só estória”.
“Hoje, no entanto, temos finalmente provas desse romance oculto”, diz a pesquisadora. Segundo Vergueiro, as evidências podem ser comprovadas por meio de “suspiros”, “galanteios” e “galanterias” que Machado apresentava com frequência em romances, tudo isso disfarçado sob a identidade de “Boas Noites” – um dos vários pseudônimos que o escritor usou ao longo da vida.
Ainda assim, sua tese é controversa. O doutor em Letras Domício Proença Filho, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, acha exagero ver indícios suficientes nesses “galanteios” e acredita que é preciso cautela antes de atribuir tal romance ao escritor: “É um estilo ousado, transgressor e atirado demais para o próprio Machado”, observa. “Ele até chegou a cometer lá seus desvios de estilo, mas só quando era mais novo. Não acredito que ele tenha sido capaz duma prosa tão atrevida com Georgiana, mulher de seu grande amigo e patrono na ABL”.
Diversos editores manifestaram interesse em tornar público o romance, mas a ABL – da qual Machado foi um dos fundadores – já entrou com uma ação na Justiça para proibir sua divulgação. Filólogos também se manifestaram a favor dessa medida. “Machado era zeloso das tradições. Sempre foi conhecido por prosas corretas e estilo sóbrio. Por que querem lhe atribuir agora esse romance adúltero, com vícios e impurezas?”, questionou o professor Castelar de Carvalho, autor do Dicionário de Machado de Assis e membro da Academia Brasileira de Filologia.
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