top of page

A fábula erótica do bumba-meu-boi

Foto do escritor: Evandro DebocharaEvandro Debochara

– Vixe! Cadê meus hifens? – perguntou o bumba meu boi assim que acordou.


– Tá sabendo não? Reforma ortográfica, homi. Levaram tudim... até os hifens de quem é expressão consagrada! O boi de reis perdeu, e o boi de mamão, também. Quem deu sorte foi cor-de-rosa, mais-que-perfeito e pé-de-meia... ninguém mexeu com eles. Com espécie biológica e gentílico ninguém mexeu também. Mas tô aqui igual tu, fiquei foi sem nada, ó – disse o pé de moleque.


– Arre! Mas o bumba-boi e o boi-bumbá tão ali, ó, tudo hifenadinho. Por que tiraram da gente, e deles não?⠀

– Acho que agora só tem direito a hífen quem tem no máximo duas palavras. Sem termo de ligação. Tiraram de mim por causa da preposição... De tu tiraram acho que por causa desse verbo aí. Sei lá. Ninguém entende essa lei que confisca hífen de uns, mas deixa nos outros...


– Marrapaiz! Que bando di fi duma égua! Perainda que resolvo essa pendenga – disse o bumba meu boi, matutando umas maruagens. Para isso, precisava da ajuda de uma pessoa oblíqua. Não demorou muito para achar o te:


– Ei, te, quer ser um clítico de respeito? Com aquele estilo bem arretado, culto, erudito? Então vou lhe ajudar. Tá vendo aquele “dar”? Tá ali, ó, bem no comecinho daquela oração, todo conjugadinho no futuro, só esperando um objeto indireto que lhe preencha... Tá esperando o quê, homi? Vai lá! Faz mesóclise com ele! Ruy Barbosa, lá do alto do céu dos imortais, vai se orgulhar de ti, quer dizer, de te!


O pronome então tomou coragem e foi se aproximando do verbo com pose de singular segunda pessoa; já o verbo não perdeu tempo: sem ninguém perto pra uma próclise, jogou radical pra um lado, desinência pro outro e se abriu todo pro átono: dar-te-ei. Pronto. Era tudo o que bumba meu boi queria: dois hifens. Ele se aproximou e sugeriu uma variação:


– Minha gente, desculpa interromper a sintaxe de vocês aí, mas... não cansaram dessa posição tradicional, não? Bora variar. Não se escabreia, não, que o ambiente aqui é bem informal, viu?


Toparam uma variação: te darei. E, como um verbo “ir” ia indo por ali, o bumba meu boi aproveitou e o convidou pra um ménage: vou te dar, posição que é preferência nacional.


– Não é mais gostoso assim? – perguntou o bumba meu boi. – Bom, se me dão licença, é hora de pegar o beco. Égua! Achei uns hifens sobrando aqui, ó... xararau!


E assim o bumba-meu-boi se mandou, à revelia das regras em vigor, com sua velha e consagrada ortografia.

0 comentário

Comments


©2021 por Paródia Editorial.

LOGO HORIZONTAL_BRANCO.png
Logo-gramatica.png
bottom of page