Anvisa luta em vão contra venda e consumo de queijo mussarela
- Evandro Debochara
- 1 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

BRASÍLIA (Reuters) – Há vários anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem travando uma luta inglória contra uma variante considerada insalubre, originada de um aportuguesamento ilegal do queijo italiano mozzarella. Responsável pela fiscalização da pureza de diversos produtos, a agência reguladora proibiu a distribuição e a comercialização do queijo mussarela sob a alegação de que esse laticínio está contaminado pela bactéria Corrupticula popularis, que infecta a língua dos usuários com barbarismos.
As únicas variantes liberadas para consumo são a muçarela e a mozarela. Infelizmente o público consumidor faz uso indevido de mussarela ”graças a fabricantes que não seguem as normas, viciando a língua dos usuários nesse sabor impuro”, diz o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.
Ele observa que, graças a esse mesmo vício, “juçara”, “maçaranduba”, ”miçanga”, “moçoró”, “muçum”, “piraçununga”, “paraguaçu” e “saçaricar” são frequentemente preteridas pelas formas viciadas “jussara”, “massaranduba”, “mussum", “mossoró”, “missanga”, “paraguassu”, “pirassununga” e “sassaricar”, cheias de impurezas. “Muita gente não sabe disso, mas as normas em vigor estabelecem que somente as variantes cedilhadas desses produtos são saudáveis”, diz o diretor.
No entanto, essa norma decretada pelas autoridades é ignorada solenemente Brasil afora. “Vem aqui em São Paulo dizer que ‘Pirassununga’, com dois esses, não existe... vai levar um monte de placa com essa grafia na cabeça pra deixar de ser besta”, diz Jussara Assaí, habitante da cidade. “Não conheço nenhum moçoroense. Só mossoroenses", escreve Clarisse Paraguassu, natural de Mossoró (RN), cidade cujos habitantes desconhecem onde fica Moçoró. Tanto na Paraíba quanto em Santa Catarina, é inútil procurar pela cidade de Maçaranduba, uma vez que nesses estados existe apenas a cidade de Massaranduba.
“O que a Vigilância não entende é que, se eu vender muçarela cedilhada, ninguém vai comprar. Isso é ruim para os negócios, pois o dígrafo está enraizado no imaginário coletivo, sugerindo ao consumidor um sabor que o cê-cedilha nunca terá. Não se acaba com uma tradição popular assim sem que se pague um preço altíssimo por isso”, diz Bendito Leite Vaqueiro, diretor da empresa de laticínios Jussara.
De fato, o queijo mussarela caiu no gosto do público consumidor, que só compra a variante muçarela a contragosto, em escolas e concursos. Apesar do que alega a Vigilância, há especialistas que não consideram insalubre essa variante. Contrário ao parecer de Evanildo Bechara e Domingos Cegalla, que endossam as medidas da agência reguladora, o rigoroso Napoleão Mendes de Almeida, para espanto de seus admiradores puristas, diz que, “em vez da grafia, letra por letra, da palavra italiana mozzarella, o que deve importar é dar-lhe roupa nossa. Sem dar importância a algum eventual registro por palavra em dicionário, escreva-se como é por todos pronunciada: muSSarela". Pasquale Cipro Neto diz que a muçarela cedilhada “é realmente um horror” e que “parece mais do que cabível a adoção de mussarela”.
Com eles, estão Aulete e Francisco Borba. Em seu Guia de Uso do Português, Maria Helena Moura Neves reconhece que o consumo de mussarela é consideravelmente bem maior que o de muçarela.
Os concurseiros – mesmo os mais doutrinados e robotizados – só consomem muçarela mesmo em dias de prova e redação. No dia a dia, aceitam e acabam espontaneamente fazendo uso da boa e velha mussarela, quase onipresente em embalagens de supermercados e cardápios de restaurantes. “Muçarela só serve pra gente evitar perda de ponto em concurso”, diz Giovana Couto em depoimento por e-mail. “A gente finge que usa, e a banca finge que acredita nisso. Quando a prova acaba, a gente volta a se esbaldar no queijo mussa... e tá sussa”.
No que depender do público consumidor, o combate à variante não conseguirá impedir nem mesmo reduzir o uso de mussarela; no que depender dos fabricantes, muito menos, até porque, no Brasil, uma portaria do Ministério da Agricultura de 1997 – contrariando o que prevê a ABL – determina que todo rótulo de embalagem dessa variedade de queijo apresente a denominação “mozzarella”, “muzzarella” ou “mussarela”. Nada de muçarela. “A gramática que lute”, diz um fabricante de queijo que não quis se identificar.
Comentarios