“Boquete” tem seus mais antigos registros conhecidos em língua castelhana datados do século XVII, como diminutivo irregular de “boca” (boca + sufixo diminutivo -ête), significando “entrada estreita feita em algum lugar”, “desfiladeiro ou barranco que interrompe a uniformidade de um cume plano e contínuo" ou “entrada estreita de um porto” (Diccionario marítimo español, 1831). A palavra chegou ao português provavelmente na primeira metade do século XIX, apresentando – da mesma forma que o castelhano – a pronúncia do “e” tônico com timbre fechado (ê), para se referir a “buraco, pequena boca” (Dicionário de Cândido de Figueiredo, 1899), “começo de uma zona apertada entre terrenos altos” (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 1942), “entrada ou abertura estreita” (Aurélio, 1975) e tornando-se também sobrenome (tanto português quanto castelhano).
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Segundo o lexicógrafo português Cândido de Figueiredo – o primeiro a dicionarizar o vocábulo, no fim do século XIX –, a palavra teria surgido como provincianismo alentejano (de Alentejo, região do sudeste de Portugal). O fato é que, no Brasil, o registro mais antigo conhecido remonta a 1830, quando foi fundada a pequena freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Boquete, no município de Pelotas (RS), conforme registrado no Diccionario historico e geographico da provincia de S. Pedro ou Rio Grande do Sul (1865). Por alguma razão, décadas depois, a freguesia (isto é, povoação sob o aspecto eclesiástico) passa a ser registrada em vários documentos oficiais como “Nossa Senhora da Consolação do Boquete” (em vez de “Conceição”). Às vezes, ainda hoje, é referida como “Nossa Senhora do Boquete” ou simplesmente “Freguesia do Boquete”. Nesses usos, obviamente, a palavra indica um acidente geográfico, tal como em Lapa do Boquete, nome dado ao sítio arqueológico localizado no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Januária (MG). A igreja pelotense também era por vezes chamada de Capela do Boquete, e dessa forma foi eternizada num poema do maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, João Simões Lopes Neto:
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Desposou-se uma senhora
Na capela do Boquete;
E deu o maior banquete
Do mundo!
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(“Uma festa”, Cancioneiro Guasca, 1910)

Já a sua homógrafa, com o “e” tônico de timbre aberto e a terminação -ete (usada para vários sentidos, e aqui remetendo a práticas sexuais, tal como em "cunete”), surgiu como tabuísmo no Brasil mais de um século e meio depois, no início dos anos 90, conforme os registros de Antônio Houaiss (2001). Seu uso não se restringiu à oralidade do dia a dia, uma vez que a palavra passou a ser escrita até em jornais por colunistas sem papas na língua, entre eles, Paulo Francis: “Clinton, acusado de ordenar um boquete a uma jovem chamada Paula Jones [...]” (O Globo, 16 jun. 1996).
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Sua correspondente em inglês, blowjob, começou a circular nos EUA em meados dos século XX (provavelmente através de blow off, que havia surgido entre prostitutas nos anos 30). Segundo o já citado Paulo Francis, antes de descobrir a palavra “boquete", ele se referia à felação como “trabalho de sopro”, expressão que alguns tradutores de legendas de cinemas brasileiros chegaram a usar para traduzir, literalmente, blowjob. Toda vez que essa tradução aparecia no telão, "o cinema desabava em gargalhadas”, escreveu Francis certa vez.
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A palavra “boquete” surgido no século XIX – que originalmente tinha acentuação vacilante de circunflexo – nunca levou oficialmente acento, tal como sua homógrafa não homófona, surgida na década de 1990. E até hoje, para se referir ao sentido original da palavra, há quem use o circunflexo para evitar qualquer ambiguidade. Como a ortografia em vigor aboliu o acento diferencial, a homografia seria hoje um grande inconveniente para “Nossa Senhora da Consolação do Boquete” se o lugar ainda tivesse esse nome, hoje encontrado somente nos anais gaúchos.
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