
Dá-se o nome de "corruptela" à pronúncia (ou à escrita) de palavra ou expressão distanciada da linguagem com maior prestígio social. Essa deturpação de um vocábulo culto geralmente ocorre devido à ignorância das classes populares. A palavra "corgo", por exemplo, é corruptela de "córrego". De mesma forma, recentemente o atual ministro da Justiça, caçador de grandes corrupções – por ironia do destino – cometeu pequenas corrupções, transformando "cônjuge" em "conge" e "vir" em "vim". Tornou-se juiz infrator, devendo ser julgado por crimes de lesa-gramática.
Antes que aplaudam Sérgio Moro por algum pioneirismo linguístico, saibam que Guimarães Rosa já havia colocado na boca de seu personagem Gorgulho algumas formas sincopadas* de cônjuge – em seu conto O Recado do Morro (1956):
Passando-se assim estas coisas, discorriam de ficar sabendo, melhor, que o Gorgulho residia, havia mais de trinta anos, na dita furna, uma caverna a cismôrro, no ponto mais brenhoso e feio da serra grande.[...] Santo de sozinho de santo: nunca tivera vontade de se casar — 'Ossenhor saiba: nem conjo, nem conja — méa razão será esta'…
Em geral, muitos privilegiados dotados de bom grau de instrução se aproveitam de corruptelas ditas por analfabetos ou indivíduos de baixa escolaridade – tal como o personagem Gorgulho – para expô-los, ridicularizá-los ou humilhá-los. Curiosamente, essas mesmas pessoas instruídas desconversam, minimizam, justificam e passam o pano quando tais corruptelas são cometidas por personagem (aparentemente) douto, culto e de grande prestígio social, que elas tanto admiram.
É lícito julgar um togado que pronuncia "conge" em vez de "cônjuge" numa audiência oficial?
Deve-se ou não criticar um erro de conjugação – cometido em contexto formal – como "vim" no lugar de "vir" por parte de um juiz concursado?
É ou não é justo questionar o uso errado que um magistrado com a formação dele faz de "sobre" no lugar de "sob" em linguagem culta?
Não merece condenação maior um autor de crimes de lesa-gramática que teve o privilégio de aprender a correção dos erros que comete?
As opiniões a esse respeito se dividem e assim continuarão por toda a eternidade; no entanto, um fato é incontestável: muitas pessoas que admiram o douto juiz e perdoam suas corruptelas são justamente aquelas que, soberbas de seu (legítimo ou falso) domínio da norma culta, vivem cagando regras, corrigindo os outros publicamente, manifestando inadmitido preconceito linguístico e que não perderiam, jamais, a oportunidade de desqualificar e condenar um falante de baixa escolaridade que tivesse cometido essas mesmíssimas corrupçõezinhas vocabulares.
Que lhes sirva de lição!
Nas próximas aulas da Gramática de Curitiba – e ainda com base nesse mesmo episódio da audiência pública de Moro na CCJ –, teremos lições de conjugação e preposição para aprender as distinções entre: a) "vim" e "vir"; b) "sobre" e "sob".
* Formas sincopadas são palavras que sofreram síncope, termo usado em Linguística para indicar o desaparecimento de fonema(s) no interior de um vocábulo (Exemplos: senhor >>> sô; maior >>> mor).
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